Ao retomar a ultratividade das negociações coletivas de trabalho, um dos maiores cuidados que Lula e sua equipe devem tomar é o de manter prerrogativas dos sindicatos e seus associados, as quais não foram alteradas pela Reforma Trabalhista. Benefícios sociais não obrigatórios por lei, como cestas básicas, vale-refeição e seguro-saúde, que tenham sido conquistados por categorias em negociações coletivas, passaram a valer somente por prazos pré-determinados desde 2017, mas o novo governo promete tornar sua validade novamente ininterrupta, até que as partes celebrem novo acordo ou convenção.

Expressas em sentenças judiciais desde 2018, as prerrogativas sindicais em concessão de benefícios reforçaram-se com o advento da Lei 13.467/2017. Atualmente, processos que tentam contestá-las nem chegam aos tribunais, como em junho de 2022, no Rio de Janeiro, com ação indeferida pelo Ministério Público do Trabalho, conforme o art. 513 da CLT.

Tais decisões se ressaltam ante o paradoxo trazido pela Reforma Trabalhista ao direito coletivo de trabalho. De um lado, ela manteve a responsabilidade dos sindicatos nas negociações coletivas e abriu caminho para as entidades sindicais estarem sempre dispostas a negociar, com o fim da ultratividade. Do outro, enfraqueceu drasticamente sua fonte de custeio, ao extinguir a contribuição sindical compulsória – outro ponto que o novo governo pretende rever parcialmente, para uma forma não obrigatória a priori, mas negociada.

Atualmente, conforme o texto original da Lei 13.467, todo entendimento jurisprudencial existente impede que sindicatos cobrem contribuições de trabalhadores não associados. O pagamento só se dá mediante autorização prévia e expressa de cada membro da categoria.

 

Empregos salvos na pandemia

Pouco mais de dois anos após a Reforma Trabalhista, porém, um acontecimento inesperado e trágico acabou por jogar luz na importância da atividade dos sindicatos, laborais e patronais. No auge da pandemia da Covid-19, com atividades econômicas restringidas e consequente perda de postos de trabalho, empresas e trabalhadores acorreram a seus representantes de classe, na esperança que buscassem soluções. Sindicatos negociaram com órgãos do governo medidas provisórias e alterações legais necessárias para o momento, a fim de possibilitar a reabertura dos estabelecimentos e de regulamentar novas formas de trabalho, notadamente em home office. Todo esforço foi determinante para manter atividades em meio ao isolamento.

Há de se ressaltar que os custos de uma negociação coletiva são imensos. O amadorismo de outros tempos, em que lideranças reuniam-se envoltas em suas paixões, perdeu espaço. Hoje, sindicatos utilizam negociadores profissionais, a fim de obterem os melhores resultados para suas bases, em idas e vindas de mesas de negociação e mediação. Esta profissionalização aumenta os gastos, mas é necessária, pois um equívoco na redação de uma cláusula pode gerar prejuízo a qualquer uma das partes envolvidas.

Mesmo assim, o pensamento dominante sempre foi o de que os sindicatos não fizeram mais do que suas obrigações, pois terem o dever representar os interesses da categoria perante as autoridades administrativas e judiciárias. Sob essa visão, nada mais natural de que eles promovessem meios para o desenvolvimento econômico das empresas e benefícios dos trabalhadores à míngua de qualquer contribuição. Seu custeio caberia aos poucos abnegados que reconhecessem o esforço das entidades. A grande maioria colheria igualmente os frutos, mesmo sem prover nenhuma contrapartida financeira em favor de quem os plantou.

Geralmente, para fortalecimento da representação sindical, os sindicatos se valem de quatro contribuições: mensalidade associativa, contribuição sindical, contribuição confederativa e contribuição assistencial. A primeira decorre da associação voluntária do trabalhador ou da empresa junto ao seu representante sindical. A segunda era o antigo imposto sindical, que, com a reforma, passou a ter a necessidade de autorização prévia e expressa dos representados.

A mesma autorização passou a ser necessária, então, para as duas contribuições seguintes: confederativa, tendo como fundamento o art. 8º, VI, da CF/88; e assistencial, estipulada em acordo ou convenção coletiva de trabalho para cobrir gastos advindos da própria negociação.

Entretanto, a nova redação dos artigos 578 e 579, da CLT, a Súmula Vinculante nº 40, do STF e o Precedente Normativo 119, do TST  limitaram essas contribuições aos associados. Sindicatos passaram a desejar recursos que não vêm, ao mesmo tempo em que demonstravam participação efetiva para minimizar impactos da pandemia e de transformações sociais, como o aumento do trabalho remoto, sempre fomentando o retorno às atividades econômicas.

 

Ações negadas e indeferidas

A nova ordem trazida pela reforma reforçou, de forma gradativa, o entendimento jurídico de que só têm direito aos benefícios dos acordos e convenções coletivos de trabalho aqueles que contribuam com suas representações. Se em 2018, a Justiça do Trabalho decidiu que só quem contribui com o sindicato tem direito de receber em folha as conquistas obtidas pela entidade, no último ano, o Ministério Público do Trabalho nem deu sequência a ação impetrada contra acordo coletivo que estabelece direito a determinados benefícios somente a sindicalizados.

“É preciso registrar que o fornecimento de cesta-básica e vale-refeição, por não decorrerem de obrigação com previsão legal, dependem de previsão expressa em instrumento coletivo de trabalho. Ou seja, dependem da atuação do sindicato ao qual o denunciante não tem interesse em filiar-se ou contribuir financeiramente”, salientou a procuradora do trabalho Heloíse Ingersoll Sá, da 1ª Região (Rio de Janeiro). Citando o art. 513 da CLT, ela indeferiu, em 27 de junho de 2022, abertura de procedimento investigatório contra cláusula prevista em acordo coletivo que estabeleceu direito a vale-alimentação e vale-refeição,

A procuradora reiterou posicionamento adotado pela 30ª Vara do Trabalho de São Paulo no ano seguinte à reforma, quando ação similar chegou a ser julgada, mas foi rejeitada. “Se é certo que a sindicalização é facultativa, não menos é certo que as entidades sindicais devem ser valorizadas e precisam da participação dos trabalhadores da categoria, inclusive financeira, a fim de que se manterem fortes e aptas a defenderem os interesses em comum”,  decidiu o juiz Eduardo Rockenbach. Para o magistrado, quem não contribui com o sindicato, não deve ter direito de receber em folha de pagamento as conquistas obtidas pela entidade.

Para o presidente da UGT-PARANÁ e do SINEEPRES, Paulo Rossi, essa decisão reforça o papel das entidades sindicais, pois são elas as responsáveis pelas conquistas em convenções e acordos que beneficiam os trabalhadores. “Infelizmente muitos (trabalhadores) não reconhecem que são os sindicatos que conseguem as conquistas tais como: vale-alimentação, reajuste salarial, benefícios sociais que muitas vezes não estão previstos em lei, mas através do sindicato é que passa a prevalecer, e como disse o papa Francisco: “Não existe uma boa sociedade sem um bom sindicato”, numa reflexão sobre pessoas e o trabalho.”

CARLOS AMERICO FREITAS PINHO – Advogado especialista em direito do trabalho e consultor da Fecomércio-RJ.

Fonte: JOTA.

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